BUENOS AIRES CELEBRA PORTUGAL/ Magnífica cobertura de Marcio Resende para el diario EXPRESSO

Buenos Aires celebra Portugal

Na terra onde milhares de portugueses apostaram no futuro, as novas gerações de luso descendentes homenagearam o passado. A celebração da herança cultural promovida pelo Governo de Buenos Aires foi um emocionante encontro de avós, pais e filhos.

Márcio Resende correspondente em Buenos Aires (www.expresso.pt)
8:46 Domingo, 19 de junho de 2011
Há cerca de 40 mil portugueses e descendentes de portugueses na Argentina
Há cerca de 40 mil portugueses e descendentes de portugueses na Argentina
Márcio Resende
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Amor e saudade. Amor pela pátria, amor pela vida, amor pelo passado. Saudade de Portugal, saudade dos que se foram, saudade até do que só se viveu através de relatos dos mais velhos. Portugal foi o primeiro país em reconhecer a Independência argentina. 190 anos de História e milhares de imigrantes depois, Buenos Aires celebrou a herança cultural que os portugueses deixaram na formação da Argentina com um evento organizado pelo Governo da Cidade de Buenos Aires, pelo Conselho das Comunidades Portuguesas na Argentina, pelo Clube Português e pelo Centro Pátria Portuguesa.
Os ranchos folclóricos lembram as origens e aproximam gerações
Os ranchos folclóricos lembram as origens e aproximam gerações
Márcio Resende

Oito grupos de danças folclóricas, um grupo de música popular e três de Fado convocaram cerca de cinco mil pessoas entre portugueses, luso-descendentes e argentinos à emblemática Avenida de Maio, símbolo da arquitetura espanhola na cidade. Barracas com comidas típicas, artesanatos e informações sobre as regiões de Portugal despertavam o interesse do público quando começaram a ecoar pela avenida as primeiras notas de uma guitarra portuguesa. E no cenário à frente da histórica Praça de Maio, com a Casa Rosada, sede do Governo argentino, ao fundo, irrompiam os fadistas.

"Emociono-me muito quando canto. É a forma com a qual me conecto com os meus avós. O fado foi uma necessidade de estar sempre ligada a eles que sempre me deram tanto amor", contém as lágrimas Maria Laura Rojas depois da primeira apresentação ao lado do cantor Dúlio Moreno. Os dois formam um fenómeno sem paralelo nas comunidades portuguesas pelo mundo. Luso-descendentes cantores de Fado em um país cuja língua oficial não é o português. E a Argentina ainda contou com a guitarra portuguesa do luso-descendente Daniel di Nápoli e com a voz de Lourdes Fernandez em fados que emocionaram uma comunidade portuguesa caracterizada por viver fora da Capital argentina, espalhada pela região metropolitana de Buenos Aires, área rural entre os anos 40 e 60, quando a imigração portuguesa teve o seu auge.

Danças folclóricas recordam país


Vestida com trajes típicos, Noélia Matias, de 21 anos, Rainha do Centro Recreativo Lusitano de Escobar, cidade a 59 Km de Buenos Aires, é filha de portugueses. Orgulha-se de anunciar que representa a cultura dos seus pais e dos seus avós. "Portugal chegou-me através deles. O meu sonho é conhecer Portugal e pode visitar Fátima, de quem sou devota", revela.
Vestidos com trajes típicos os luso-descendentes dançam músicas populares portuguesas
Vestidos com trajes típicos os luso-descendentes dançam músicas populares portuguesas
Márcio Resende

E parece que as preces da comunidade tiveram efeito. A chuva torrencial e frio de um inverno que se avizinha marcaram as horas prévias à homenagem de Buenos Aires a Portugal. O evento chegou a peligrar. Na barraca do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, muitos tinham uma explicação divina para a ausência de chuva.

A 550 Km de Buenos Aires, em Tornquist, o Santuário Nossa Senhora de Fátima, contruído e mantido por portugueses, convoca duas vezes por ano cada vez mais devotos. Na última peregrinação em maio, foram cerca de sete mil pessoas.

"Sinto uma alegria por ver tantos compatriotas aqui hoje comigo. E estamos a mostrar que temos identidade. Hoje sou mais português do que nunca. Quando olho ao redor, vejo a minha história. Portugal é a mãe de todos nós", emociona-se Carlos Moura.
Netos de portugueses já participam nas tradições do país
Netos de portugueses já participam nas tradições do país
Márcio Resende

Apesar dessas demonstrações, aos 66 anos, Moura sente o envelhecimento da comunidade. "Nós já estamos velhos. Os filhos e os netos não querem continuar com as tradições. Você olha ao redor e só vê gente mais velha. Quando crianças, são fáceis de trazer, mas os de 30 ou de 40 anos de idade não querem mais participar. Eu cheguei em 1962 e já depois não veio mais ninguém de Portugal para aqui. Nós temos um grande problema: somos uma comunidade em vias de extinção", lamenta.

Aproximar gerações


Aos 23 anos, Cláudia Vitorina concorda. Começou a dançar aos onze anos de idade. Há três anos, passou a ensinar. Dirige o grupo "Dançarinos portugueses" com crianças de 3 a 12 anos de idade. "Quando somos pequenos, todos dançamos. Mas, à medida que crescemos e tornamo-nos adultos, deixamos as tradições. Só continuam aqueles que sentem Portugal profudamente no coração", admite Cláudia.

O desfile com trajes típicos de cada região de Portugal está a ponto de começar. Elena Aparício Silva surge para mostrar que toda tendência tem a sua exceção. Aos 28 anos, esta filha de portugueses integra o rancho folclórico Estrelas do Minho que está a ponto de entrar na Avenida de Maio com 22 jovens entre 15 e 35 anos de idade de Monte Grande, cidade a 28 Km da capital argentina.
Chuva de papéis em verde e vermelho cobriram o centro histórico de Buenos Aires
Chuva de papéis em verde e vermelho cobriram o centro histórico de Buenos Aires
Márcio Resende

"Muitas vezes sinto mais carinho por Portugal que pelo meu país. Não sei explicar o que desperta em mim. Talvez seja a alegria do meu pai, da minha avó, de todos os portugueses que para cá vieram numa época em que não tinham alternativa senão emigrar. Quando eles nos olham e vêem-nos dançar, relembram toda essa história de vida. Posso ver isso nos sorrisos e nos olhos", descreve entre lágrimas.

40 mil portugueses na Argentina


Existem na Argentina cerca de 40 mil portugueses e filhos de portugueses. Pouco menos da metade, 17 mil, está inscrito na Embaixada. A última imigração chega até o princípio dos anos 60.
"Diferente dos portugueses que foram a outros países da Europa ou dos que foram ao Brasil, os daqui perderam todos o contato com Portugal. Por distância, por dificuldades financeiras e por pouca comunicação, ficaram parados no tempo. Apesar disso, é de se louvar que não tenham abandonado as raízes e as tradições", observa Silvia Rosário, Técnica do Ministério dos Negócios Estrangeiros. "E também se pode ver uma união incomum entre todos os clubes e centros recreativos. Quando é preciso, juntam-se e organizam-se rapidamente. É como uma grande família", completa João Batista, Conselheiro da Embaixada portuguesa em Buenos Aires.

No palco, os grupos folclóricos já dançam e empolgam o público entre bandeiras argentinas e portuguesas. A noite chega. Uma chuva de papéis em verde e vermelho cobrem o centro histórico de Buenos Aires. Depois que todos se retiram, a tempestade de chuva com granizo cai forte sobre Buenos Aires. Não importa. Nossa Senhora de Fátima já protegera a festa. A cidade volta a ficar molhada, mas os portugueses já estão de alma lavada.

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