SEMANARIO DIGITAL DESTACA LA TRAYECTORIA DE LUIS, EL PORTUGUES DEL CHACO

Saiu de Lordelo, passou cinco anos a percorrer a América do Sul e transformou-se num artista apreciado na Argentina
Luís Leal saiu de Lordelo, em Paredes, com 29 anos e passou os cinco seguintes a percorrer a América do Sul de moto. Moto que lhe roubaram quando se preparava para voltar a casa. Sem dinheiro, sem conhecer ninguém e sem falar espanhol, Luís passou fome e dormiu na rua até ser acolhido por uma família argentina.

Hoje, quase três décadas depois de ter deixado para trás uma história que incluía mulher e uma filha, Luís Leal transformou-se num artista de créditos reconhecidos e com direito a expor numa das salas mais emblemáticas da Argentina.

Um ano no Brasil
Luís Manuel Ribeiro Leal nasceu em Lordelo corria o ano de 1955. Filho de pai carpinteiro, diz que nasceu "no meio da madeira" e "já a entalhar". Talvez por isso, quando tinha apenas 11 anos, abandonou a escola e passou a trabalhar na pequena oficina do pai. "Aos 18 anos, fui trabalhar para uma empresa de Sobrado. Mas foi por pouco tempo. Regressei a Lordelo e montei a minha empresa", recorda. Também casou e teve uma filha, mas nem isso o impediu de, em 1985, partir para o Brasil, país onde o avô se tinha radicado e o pai já tinha visitado. "As coisas complicaram-se e não estavam bem a nível familiar", explica.
Luís partiu com sonhos, mas sem projectos. Sabia apenas que podia contar com o apoio de uma família de Lordelo que tinha emigrado para o Rio de Janeiro. "Fiquei em casa deles e, durante um ano, estive perdido da cabeça. Ia para a praia de Copacabana e estava para lá sem me interessar por nada e a olhar para o mar", frisa.

Assaltado e moto roubada
12 meses passados, Luís Leal toma uma decisão que se viria a revelar fulcral: comprou uma moto de grande cilindrada e começou a percorrer os vários países da América do Sul. "A viagem demorou cinco anos. Dormia onde calhava e comia o que podia. Também tinha algum dinheiro do património que tinha vendido em Portugal", esclarece.
Em 1990, o lordelense chegou à Terra do Fogo, a última do continente sul-americano. E decidiu que estava na hora de regressar a casa. "Fui para Buenos Aires para apanhar um barco directo ao Porto. Disseram-me que não havia e que tinha de o apanhar no Brasil", lembra.
E para o Brasil partiu. Porém, quando percorria a estrada que atravessa a província de Santa Fé, ainda na Argentina, foi assaltado. "Um carro bateu-me na traseira da moto e eu caí. Levaram o que quiseram", refere.
Mesmo com ferimentos numa perna, Luís Leal conseguiu chegar a Resistência, capital da província de Chaco, e receber assistência médica. Mas enquanto estava a ser tratado, a sua Honda de grande cilindrada foi roubada. "Estava na Argentina, sem dinheiro, sem mota, sem conhecer ninguém e sem falar espanhol", realça.
Sem muitas soluções, Luís passou a viver na Praça 25 de Maio, a maior de Resistência, e a pedir fruta nas feiras para comer. "Um dia, um rapaz veio ter comigo e disse-me que a mãe queria que eu fosse viver com eles. Estive um ano a morar com essa gente. Arranjei os móveis e pintei a casa para os compensar", conta.

Decorou nove igrejas
Entretanto, Luís Leal conseguiu descobrir a moto roubada a mais de mil quilómetros de distância. Recuperou-a, casou com uma professora universitária em 1993 e manteve-se na cidade. "Fiz mil coisas. Fui professor de português, fiz limpezas e fui jardineiro", diz.
E foi com trabalhos precários que chegou a 2008, ano em que tudo mudou. "Fui assistir a uma missa e reparei que a igreja era um autêntico armazém. Não tinha qualquer decoração. Fui falar com o padre e pedi-lhe autorização para fazer algumas mudanças", revela.
O sacerdote aceitou e Luís Leal começou a fazer, em madeira e talha, o altar e os retábulos. O resultado final, fruto dos conhecimentos adquiridos na oficina de Lordelo, deixou todos impressionados.
Em seguida, o lordelense fez proposta semelhante em nove paróquias e numa das quais – situada num bairro de lata - construiu uma cruz que ainda hoje é comentada. "Ofereci sempre os trabalhos. Nunca cobrei nada e ainda fui pedir a alguns amigos que oferecessem parte da madeira utilizada. É uma forma de agradecer a ajuda que me deram", garante.
O trabalho nas igrejas deu-lhe fama, a mesma que, agora, têm os quadros que já vinha fazendo. Os desenhos são entalhados e depois pintados, criando um relevo que se "pode ver com as mãos". "Os cegos podem ver os meus quadros", assegura. E a crítica argentina dá-lhe razão, pois atribuí-lhe, no ano passado, um prémio por ter "integrado os cegos no mundo da arte".
A fama de Luís Leal já o levou a vários programas de televisão e a expor no Palácio do Congresso da Nação Argentina. "O embaixador de Portugal foi ver a exposição", sustenta.

"Nunca irei regressar a Lordelo"
Luís Leal saiu de Lordelo em 1985, viveu um ano no Brasil, radicou-se na Argentina e viveu em Espanha por um curto período. Voltou à Argentina, país que, garante, será o seu até ao fim dos seus dias. "Nunca irei regressar a Lordelo definitivamente. Só em visita", assegura.
E foi de visita que Luís esteve, na semana passada, na terra que o viu nascer e crescer. "Gosto muito disto. Fico encantado com esta paisagem", afirmou enquanto estava sentado na esplanada de um café lordelense. "Quando era novo percorria estes caminhos todos", acrescenta.

Quadro oferecido a Stevie Wonder
"El portugués" tem uma vida recheada de situações caricatas. Numa delas, soube, ao ler o jornal, que o músico Stevie Wonder tinha um concerto marcado em Buenos Aires e estava hospedado a poucos quilómetros de distância. Extrovertido, como é seu timbre, Luís Leal pegou num dos seus quadros e carregou-o às costas até ao hotel. "Não disse nada a ninguém. Sentei-me no hall de entrada e esperei que o Stevie Wonder saísse. Vinte minutos depois vejo-o a sair do elevador", conta.
De imediato, Luís foi ao encontro do músico cego. "Disse-lhe: tenho aqui um quadro que tu consegues ver. Ele estranhou, mas quando começou a percorrer o quadro com a mão percebeu o que estava desenhado", descreve.
Em seguida, Luís Leal ofereceu o quadro a Stevie Wonder. Este convidou-o para o concerto que deu horas depois.


Batalha legal para recuperar a moto
Foi numa Honda de grande cilindrada que Luís Leal percorreu a América do Sul. O motociclista chega a dizer que terá dormido ao volante durante viagens, em que também mantinha conversas com a moto. Por isso, quando o velocípede foi roubado, Luís Leal recusou-se a regressar a Portugal sem o recuperar.
Encontrou-a, um ano depois, a mais de mil quilómetros de distância. Mas a rábula não tinha ainda acabado. Quando foi buscar a moto, as autoridades argentinas informaram-no que o visto de turista tinha terminado e, como tal, tinha de pagar o imposto e uma multa por continuar no país.
Luís Leal explicou que não regressou à terra natal porque lhe tinha sido roubada a moto, mas o sistema revelou-se insensível. Só após uma intensa batalha legal é que Luís Leal levou a moto para casa.

www.verdadeiroolhar.pt

Envíe sus textos y comentarios a lusodescendientes@yahoo.com.ar

Comentarios

Entradas populares